Thursday, March 11, 2010

A gota de água que queria matar a sede ao mundo...



Era uma vez uma gota de água...uma gota de água perfeitinha,orgulhosamente
pura e bem tratada que vivia num reservatório cercada de milhares de outras gotas iguais.
A nossa gota de água tinha um sonho...e não era um sonho pequenino,era um sonho gigantesco.Ela não se lembrava bem da luz do dia,mas sabia por ter ouvido algumas gotas a segredar que tinha nascido de uma nuvem que bailava à beira mar.
Como ela gostava de dar a volta ao mundo numa nuvem assim...percorrer quilómetros e quilómetros abençoada por uma brisa qualquer.
A gota de água sabia que no mundo inteiro existiam manchas de terra que mais pareciam desertos..que muitas crianças morriam antes de serem avós sem uma gota de água para beber.Mas esta gota de água sentia que tinha nascido para fazer a diferença em todas as tristezas do mundo e por isso decidiu que assim que pudesse ia dar a volta ao mundo e espalhar-se por aí em mil e uma gotas iguais a ela e riscaria a palavra sede do dicionário do mundo inteiro.
Então,passava os dias encavalitada em cima de outras gotas..empurrando..empurrando só para conseguir chegar bem lá na frente e pingar da torneira.
E tanto se esforçou, que um dia a sua sorte lá chegou com rosto de menina traquina e a gotinha lá pingou da torneira...apesar de um pouco confusa com tantos solavancos , ela lá foi mergulhada num pequeno fio de água que desaguou num copo de vidro.
A luz do dia era forte e cegava a gota de água mas mesmo assim ela conseguia ver o chão do mundo e as folhas do jornal abandonado na cadeira de baloiço.
Ela fez uma tentativa para ler a folha da frente mas logo desistiu porque a folha só tinha desgraças e ela era uma gota cheia de esperança..ia mudar o mundo.Para quê perder tempo a ler notícias que em breve já seriam passado?
Estava a gotinha de água distraída no meio dos seus pensamentos quando de repente sentiu a boca a encher-se de um gosto estranho...e logo ela percebeu que sabia a sabão.
A menina pegou no copo de água e mexeu com força todo a água que no copo se apertava correndo veloz para o jardim.
Então, a menina sentou-se no banco de pedra ..mergulhou um objecto estranho que a gota de água não conhecia mas que fazia cóceguinhas no seu nariz e a menina soprou..soprou..soprou com tanta força que milhares de bolas de sabão se espalharam em todas as direcções .
E foi com espanto que a nossa gotinha de água se viu envolvida numa enorme bola de sabão que reflectia todas as cores que o céu pintava nas sombras.
Feliz, a gotinha de água pediu ao vento que a embalasse nas suas costas e a levasse para bem longe dali sem nunca a deixar cair porque ela tinha o mundo inteiro para descobrir.
E a gotinha de água mascarada de bolinha de sabão,lá foi alegremente a cantarolar ao vento mundo fora...e tanta coisa a bolinha de sabão viu lá do alto. Passou rentinho aos ramos das árvores mas nunca lhes tocou,apenas acenava de longe e deitava sorrisos às folhas.Flutuou por entre pedras aguçadas ...mãos de crianças..brincou com os bicos dos passarinhos mas ninguém a demoveu do seu sonho de apagar a sede ao mundo..por isso todas as criaturas a ajudavam a subir sempre mais alto soprando-a com carinho para não a magoar e a bolinha de sabão nunca sentiu dor.
Mas um dia a bolinha de sabão olhou para o chão e chorou com o que viu...
A Terra mãe gemia nas chamas e um fogo imenso todas as verdes árvores engolia...A gotinha bem tentou convencer todas as gotas de água enroscadas na bola de sabão a saltarem cá para fora para apagar o incêndio,mas todas lhe diziam que tinham medo de evaporar em nome de nada.Diziam que eram todas demasiado pequenas para afogar um fogo tão grande assim e o vento que atentamente as ouvia soprava a bola de sabão para longe das labaredas deixando a gotinha de água desolada.
Então ela segredava ao vento que sabia que conseguia salvar o mundo,bastava desejá-lo com muita força e o vento lá lhe explicava que não era bem assim...
Depois a bola de sabão viaja a bom vapor e a paisagem depressa mudava …
Foi então que a gotinha de água viu um pedaço de terra virado ao contrário com todas as casas de pernas para o ar e milhares de pessoas a caminhar sedentas no meio de um mundo que mais parecia um deserto. E mais uma vez a gotinha de água,empurrou as suas companheiras de viagem tentando convencê-las a juntarem-se a alguma nuvem de chuva que por elas passasse...
E mais uma vez as gotinhas de água disseram à pequena gota que elas juntas de nada valiam..que não tinham força para erguer as casas da poeira nem para regar a sede de tanta gente.Era melhor fechar apenas os olhos e esquecer a tristeza que viam ali.Mas a gotinha de água não queria fechar os olhos..nem fingir que nada via e deixou-se ficar suspensa com os olhos rasos de água a ver o céu escurecer.
Já nada no mundo era desconhecido para a pequena gotinha de água quando a noite chegou...mas nada no mundo mudou com a força do seus desejos e a gotinha de água chorou com o coração destroçado. Talvez ela não conseguisse mesmo fazer o milagre de matar a sede ao mundo,então se era assim que utilidade tinha ela assim tão pequenina encostada aquelas gotas preguiçosas?Como ela queria ser bem maior para conseguir encher o mundo de água doce.
Foi então que a gotinha reparou que a bolinha de sabão sobrevoava um pequeno jardim com flores secas despejadas num canto.Ela debruçou-se apenas mais um bocadinho e viu uma pequena margarida branca com um ar cansado e triste..já tinha pétalas a perder a cor. Então a gotinha de água gritou lá de cima se ela tinha sede e a margarida soprou com a voz ténue que à muito tempo ali já não chovia e todas as suas irmãs murchavam de sede.
Então a gotinha encheu-se de coragem e deixou sair da sua boca o discurso mais profundo e convicto que o seu coraçãozinho de água conseguiu conceber e pediu a todas as gotas de água que perdessem o medo de sentir os pés no chão porque elas tinham nascido para matar a sede ao mundo e já era tempo de finalmente começar....porque não começar mesmo ali?Naquele pequeno jardim a suplicar por um pouco de água..se não podiam matar a sede a todos os desertos,nem apagar todos os fogos nas florestas..porque não molhar um pouco de terra e ver a vida de novo a florir?
Então a gotinha de água deu um beijo ao vento e pediu-lhe com carinho para a deixar sair daquela bola de sabão e o vento obedeceu levando-a devagarinho até à pequena margarida...e todas as gotas fizeram o mesmo..beijaram o vento na despedida e mergulharam felizes nas raízes da terra que feliz as abraçou.


Daniela Pereira in "Contos sem pés nem cabeça mas de coração cheio"
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